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Quando o Estado mede
a pele: cotas raciais, autonomia universitária e o risco de oficializar
a raça.
Santa Catarina colocou uma faísca nova num barril
antigo. A Assembleia Legislativa aprovou o
PL 753/2025, que
veda cotas por critérios raciais
nas universidades estaduais e também alcança instituições que recebam
verbas estaduais, mantendo apenas reservas de vagas por
deficiência, critério econômico e origem em escola
pública. O texto prevê
multa (R$ 100 mil por edital)
e até responsabilização administrativa de gestores, e ainda depende de
sanção do governador.
A notícia, claro, veio com a pergunta inevitável:
isso é constitucional?
Entidades, OAB/SC e parlamentares já sinalizaram que o tema deve virar
disputa jurídica, inclusive por envolver
autonomia universitária e o desenho
federativo de políticas educacionais. Mas antes do
tribunal, há um tribunal mais silencioso e mais profundo: o das ideias.
E a pergunta que realmente importa não é “quem ganhou o round desta
semana”, e sim: O que acontece com
um país quando ele transforma “raça” em categoria administrativa
cotidiana, com formulário, comissão, edital e carimbo? 1) Um passado que
não cabe em slogans: Palmares, Zumbi e a fabricação de símbolos
Zumbi e Palmares não são apenas história. São
também memória política,
moldada no século XX como símbolo de luta do movimento negro,
especialmente quando o 20 de novembro
passou a ser proposto como contraponto ao
13 de maio (data da abolição). Essa “virada
simbólica” é documentada por historiadores e aparece com clareza em
estudos e reportagens acadêmicas sobre a construção da memória de
Palmares.
Ao mesmo tempo, Palmares foi um fenômeno histórico
longo, complexo, móvel, atravessado por guerra, negociação e
sobrevivência. Há fontes coloniais que registram, por exemplo, que nas
negociações de 1678 a liderança de Gana Zumba chegou a prometer
devolver escravizados que haviam fugido
e colaborar contra quem resistisse ao acordo, enquanto outra parte do
grupo, sob Zumbi, recusou o pacto.
E há também debate historiográfico (e midiático)
sobre práticas internas: alguns relatos descrevem
prisioneiros de guerra
submetidos a serviços forçados por tempo determinado, apontando
diferenças e semelhanças com formas de cativeiro conhecidas em contextos
africanos. Por que começar por
aqui?
Porque um país que discute políticas públicas com
base em “heróis perfeitos” ou “vilões absolutos” costuma acabar fazendo…
leis perfeitas no papel e cruéis na prática.
E o tema das cotas raciais, goste-se ou não, está lotado de mitos de
ambos os lados.
Então, sem reduzir Palmares a santinho nem a
caricatura: o ponto é que o Brasil gosta de
resolver o presente com um altar ou com um apedrejamento.
E cotas raciais, muitas vezes, viram mais um capítulo dessa liturgia. 2) Da Lei Áurea à
burocracia do pertencimento A Lei Áurea (Lei nº
3.353/1888) foi curta e decisiva: declarou extinta a escravidão. E só.
Não trouxe terra, escola, integração econômica, proteção social
consistente. A abolição encerrou o regime jurídico da escravidão, mas
deixou o pós-escravidão como um corredor escuro.
É nesse corredor que nasce a defesa contemporânea
das ações afirmativas: corrigir
desigualdades históricas e estruturais.
E aqui vem a virada jurídica inevitável: o Supremo
Tribunal Federal já reconheceu, em linhas gerais, a
constitucionalidade de ações afirmativas com
critério étnico-racial (Tema 203 / RE
597.285) e também consolidou a compreensão favorável às cotas em
julgamentos paradigmáticos.
No plano federal, a Lei 12.711/2012 (Lei de Cotas)
organizou reservas de vagas nas instituições federais, e foi
atualizada em 2023
(Lei 14.723/2023).
Ou seja: cotas
raciais não são um “atalho ilegal” por definição.
Elas já foram, em tese, acolhidas como ferramenta constitucional pelo
STF. Então por que eu sou
contra?
Porque a pergunta não é apenas “pode?”, e sim:
que tipo de sociedade essa ferramenta
incentiva a construir? 3) Minha tese: cotas
raciais podem criar “cidadãos com etiqueta” Há um paradoxo que
pouca gente encara de frente:
Para combater o racismo, as cotas raciais
precisam que o Estado “enxergue” raça
e opere raça como categoria prática.
O Estado, então, passa a fazer o que ele faz
melhor (e pior): classificar. E quando o Estado
classifica, não classifica “com poesia”. Ele classifica com:
O resultado frequente é um clima social em que o
cotista, em vez de ser visto como alguém que superou obstáculos, passa a
carregar um asterisco invisível: “entrou por cota”. Isso pode virar,
sim, uma forma de produzir “cidadãos de segunda categoria” no imaginário
social, ainda que não seja essa a intenção da política. Além disso, cotas
raciais tendem a:
Se o objetivo é
justiça, eu prefiro um caminho menos incendiário e mais cirúrgico:
Isso atinge a desigualdade real sem exigir que o
Estado vire um cartório do fenótipo. 4) E Santa Catarina?
“Saiu na frente” ou abriu uma briga maior?
O projeto catarinense não diz “acabem as cotas” no
geral: ele desloca a prioridade para
economia e escola pública e
exclui recortes
raciais das reservas permitidas. Politicamente, isso
é uma escolha. Juridicamente, é um campo minado, por ao menos três
frentes (que certamente aparecerão nas ações):
Então, não: não é “assunto
encerrado”. É, provavelmente,
assunto recém-inaugurado.
5)
Uma proposta de saída: igualdade sem carimbo Eu rejeito a ideia
de que só existam duas posições possíveis:
O Brasil precisa de
uma terceira via mais adulta:
Se a universidade vira apenas “porta”, sem
permanência, a política é vitrine. E se a política
exige que o Estado se torne árbitro de raça, a vitrine vira espelho
rachado. Conclusão
Santa Catarina pode estar errada ou certa no
detalhe jurídico final (os tribunais dirão). Mas o debate que ela
reabriu é maior que uma lei: é sobre que
Brasil queremos produzir.
Eu quero um Brasil em que o Estado não precise
perguntar “qual é a sua raça?” para reconhecer a sua dignidade. Quero um
Brasil em que a cor não seja senha, nem culpa, nem crachá, nem suspeita.
E em que justiça social não dependa de um tribunal de aparências, mas de
uma política pública que mira o alvo real:
vulnerabilidade, escola e oportunidade concreta. |
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